foto de uma menina de 7 anos na birmânia, ela está vestida para seu casamento.

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quinta-feira, 17 de maio de 2012

Nascemos todos artistas !






Fragmentos retirados do Livro "O Zen-Budismo e a Psicanálise" por Erich Fromm e D.T. Fragmentos retirados do Livro "O Zen-Budismo e a Psicanálise" por Erich Fromm e D.T.Suzuki.

No tópico "O Inconsciente no Zen-Budismo" Suzuki confronta a tradição da ciência Ocidental com a atitude Zen de conhecer a essência das coisas pelo uso do "Inconsciente Zen" que se iguala a prática artística genuína, pois ela seria criadora, ao passo que a ciência que busca capturar e medir leva a morte seus objetos sem poder compreender sua totalidade, que é a sua ambição.

p.22
"Enquanto o cientista assassina, o artista busca recriar. Este último sabe que a realidade não pode ser alcançada pela dissecção. Por isso mesmo utiliza tela, pincel e tintas e procura criar com o seu inconsciente. Quando esse inconsciente se identifica sincera e genuinamente com o Inconsciente Cósmico, as criações do artista são autênticas. Ele realmente criou alguma coisa; sua obra não é cópia de nada; existe por direito próprio. Pinta uma flor que, se estiver florescendo no seu inconsciente, será uma nova flor e não simples imitação da natureza." (...)

p.23 - 24
"Ver não basta. O artista precisa entrar na coisa, senti-la interiormente e viver-lhe a vida. Diz-se que Thoreau foi muito melhor naturalista do que os naturalistas profissionais. O mesmo se dirá de Goethe. Ambos conheciam a natureza precisamente por serem capazes de vivê-la. Os cientistas tratam-na objetivamente, isto é, superficialmente. "Eu e tu" talvez esteja certo mas, na verdade, não podemos dizer isso; pois, assim que o dizemos, "eu" sou "tu" e "tu" és "eu". O dualismo só pode sustentar-se quando se apoia em alguma coisa não dualista."
(...)
"O inconsciente é algo que se deve sentir, não no sentido comum, mas no que eu chamaria o mais primordial ou fundamental dos sentidos. Isso talvez exija uma explicação. Quando dizemos, "Sinto a mesa dura", ou "Sinto frio", esse" gênero de sentir pertence ao domínio sensorial, em que se distinguem sentidos como o ouvir ou o ver. Quando dizemos, "Sinto-me só", ou "Sinto-me exaltado", isto já é mais geral, mais total, mais íntimo, mas ainda pertence ao campo da consciência relativa. O sentir o inconsciente, contudo, é muito mais básico, primário, e aponta para a idade da "Infância", quando ainda não ocorrera o despertar da consciência no seio da Natureza dita caótica. A natureza, porém, não é caótica, porque o caótico não pode existir por si mesmo. Trata-se meramente de um conceito emprestado a uma província que se recusa a ser medida pelas regras comuns do raciocínio. A natureza é caótica no sentido de ser o reservatório de possibilidades infinitas. A consciência que evolveu do caos é algo superficial, que mal toca a fímbria da realidade. Nossa consciência não é mais que um insignificante pedaço de ilha, a flutuar no Oceano que circunda a terra. Mas é através desse fragmentozinho de terra que podemos olhar para a imensa extensão do próprio inconsciente; e o senti-lo é tudo o que podemos ter, mas esse sentir não é pouca coisa, pois através dele nos é dado compreender que a nossa existência fragmentária logra sua plena significação, e assim podemos descansar seguros de não estarmos vivendo em vão. A ciência, por definição, nunca poderá nos dar o sentido da completa segurança e do completo destemor, conseqüência do fato de sentirmos o inconsciente.

Não se pode esperar que sejamos todos cientistas, mas fomos constituídos de tal forma pela natureza que todos podemos ser artistas — não, realmente, artistas especializados, como pintores, escultores, músicos, poetas, etc., mas artistas da vida. Essa profissão, "artista da vida", talvez pareça nova e muito estranha; na realidade, porém, todos nascemos artistas da vida e, por ignorá-lo, a maioria deixa de sê-lo, e o resultado é que fazemos uma embrulhada das nossas existências, perguntando, "Qual é o significado da vida?" "Acaso não defrontamos com o nada absoluto?" "Depois de vivermos setenta e oito, ou mesmo noventa anos, aonde vamos? Ninguém sabe", etc, etc. Informaram-me que a maioria dos homens e mulheres de hoje é neurótica por causa disso. Mas o homem Zen pode dizer-lhes que todos se olvidaram de que nasceram artistas, artitas criativos da vida e que lhes basta compreender esse fato e essa verdade para ficarem curados da neurose, psicose ou que outro nome tenham para a sua enfermidade".

Nacesmos todos artistas, e tal arte mais humana, é cura para si próprio !

"Dilemas da tradução e a tarefa do Tradutor."






Um dos primeiros e principais problemas que as tradições da linguística e da tradução apresentaram é expresso simbolicamente no mito da Torre de Babel. A alegoria da Torre de Babel aponta para a diversidade linguística e cultural dos diversos povos do mundo, essa diversidade é a causa da discórdia e afastamento de todo um povo que antes vivia em harmonia, é o episódio da queda, quando a coletividade se vê ameaçada incapacidade de lidar pluralidade. 


Esta condição de afastamento e estranheza revela a Raison D’Être, a razão de ser, dos tradutores, intérpretes e professores de idiomas estrangeiros. Todos esses profissionais ao longo dos milênios tem servido de ponte e filtro para esses estranhos dispostos a ir além das fronteiras de seus mundos. Por isso, creio que os profissionais e estudiosos, que se dedicam ao conhecimento de uma determinada língua e cultura, além daquela que lhes é materna, passam a viver num espaço híbrido, onde a diversidade que é constituinte de seu mundo, apresenta-se constantemente. A proposta desse breve texto e palestra é revelar questões importantes para a vida e trabalho dos tradutores, intérpretes e professores de língua estrangeira, ao observamos o lugar e movimento histórico-social de seus objetos principais de trabalho. Primeiro, a linguagem humana, e depois os Idiomas, no plural mesmo. Pergunto-me se haveria tradutores caso todos falássemos uma só língua e houvesse apenas uma única forma de expressão em todo o mundo. Se a resposta fosse afirmativa, talvez não existisse civilização.

Os Linguistas e filósofos por volta do século XI sentem-se profundamente incomodados pelos problemas que as línguas apresentam: a diversidade e a ambiguidade. Além de no plano religioso (O Mito de Babel) elas figurarem como herança do castigo aplicado por Deus contra ambição da raça humana, a diversidade é fruto do pecado. Estes estudiosos e religiosos buscavam um modelo ou uma convenção que pudesse servir como uma língua perfeita, esta seria falada por todos, funcionando como a língua universal “re-unindo” o povo de Deus. E, filosoficamente, evitaria os problemas de ambiguidade, ela, a língua perfeita, seria capaz de captar e transmitir a essência das coisas em sua forma e gramática. A diversidade de línguas era vista como um entrave para o progresso das ciências. O ofício necessário dos tradutores, e seus esforços para fazer as traduções corretas, era visto pelos filólogos e filósofos, que muitas vezes eram pessoas com ambos os ofícios, como evidência da debilidade das línguas, que chegaram a ser classificadas como primitivas ou animalescas. Assim a diversidade é igualada ao primitivismo revelando a imaturidade da erudição de certa época em lidar e compreender este riquíssimo fenômeno histórico. 

A língua que não precisasse ser traduzida seria a língua universal em que a pessoas usariam suas palavras e a comunicação seria perfeita e imediata, sem ruídos. Muitas tentativas foram feitas de criar línguas filosóficas, que pretendiam ocupar o posto de línguas universais ou interlínguas: o volapuque, o balta, o esperanto, o novo volapuque, o espelin, o esperanto reformado, o ido. A língua artificial pertenceria ao reino da razão, ela ordenaria a imperfeição das coisas, e das sociedades por consequência. A planificação busca erradicar a desordem natural do mundo, produz uma peça inteiramente construída que não conhece o desgaste e paira acima do convívio humano. Esta vocação asséptica choca-se com a noção de diversidade, que surge como um resíduo a ser eliminado. 

Mas antes mesmo que estas línguas instalassem o império da Razão no mundo, a era do Capital mudou o rumo das coisas. Com as navegações de ultramar e o mercantilismo, a revolução industrial e todo o crescente engendrar das diversas sociedades ao redor do mundo numa extensa rede de comércio e trocas culturais, ou seja, com a chegada da modernidade, a indústria e a tecnologia reorganizaram a dinâmica das sociedades e conectaram pessoas de estamentos diferentes e de sociedades diferentes. Surgiu mais uma vez a vontade de se ter uma língua universal, dessa vez deveria ser prática, para servir de cimento ao processo de globalização. Nesse momento, outros grupos de outras gerações terão o interesse em uma língua sem ambiguidades, uma língua que acompanhasse o ritmo do comércio e da expansão do Capital. Uma Língua Internacional, simples, rápida objetiva, fácil de aprender, sem muitas regras e “contra-regras” para observar, uma língua, por assim dizer, "Espartana”, lacônica. 

Nesse momento muitos procuram provar que esta ou aquela língua era a mais apta à universalidade, para isso muitos argumentos foram utilizados, os mais centrais eram: o da praticidade e objetividade em ser aprendido e comunicado, argumentos que travestiam muitas vezes a força política do etnocentrismo como o do estudioso Ogden que publicou um livro chamado Basic English em 1930 que apresentava uma versão simplificada do Inglês que poderia ser falado com 850 palavras e poucas e simples regras gramaticais. Dizia ele: “Sua estrutura era mais simples do que qualquer outra língua natural; dos idiomas existentes nenhum deles pode ser simplificado desta maneira”. Odgen e outros revelam como a modernidade representou o abandono de um vocabulário amplo em quantidade e significado, uma laconização das sociedades, a língua perde seu valor filosófico na práxis social, para ganhar um valor automato. Chegando ao ponto em que a linguagem é considerada uma faculdade comunicativa do ser humano, onde a língua é um instrumento que uma pessoa usa para comunicar objetos a outro homem. A linguagem foi reduzida pela lógica burguesa ao utilitarismo.

Com a evolução do capitalismo e com a supremacia do Reino Unido no período imperialista e depois com a supremacia do Estado Unidos após o enfraquecimento do Reino Unido no fim da Segunda Grande Guerra, o Inglês se consolida na modernidade e contemporaneidade como a língua mundial, mas não como língua universal. Consolidou-se em função do poder político e econômico dos Estados-Nação que encabeçaram este processo histórico. Derruba-se dessa forma o senso comum de que o Inglês é a língua do comércio por sua praticidade, assim como o Alemão deveria ser a língua da Filosofia (lembro-me de Caetano). O Inglês Espartano e seu domínio no mundo não é tão acidental. É na verdade uma esfera do Inglês a qual nós estamos presos pelo modo de vida moderno que temos. Existe sim um Eloquent English, mas ele foi combatido e excluído dentro do processo de globalização e mundialização que o mundo moderno engendrou.

Para isso é só pensar em como o Latim era uma língua “mundial” no auge do império romano. Até os mercadores e outros profissionais de lugares além dos domínios de Roma aprendiam o Latim para tratar dos diversos assuntos que envolvessem o mundo Romano. O Latim foi também a língua do Catolicismo porque quando este se uniu ao Estado Romano e incorporou sua língua para unir as matérias, religiosa e política, numa só a fim de fortalecer o todo da Igreja nos alicerces da herança da civilização Romana. Afinal a Igreja Católica é a grande herdeira do Império Romano, o latim não foi sua língua oficial por ser uma língua mais perto de Deus, lembremos que os romanos mataram Jesus.

De alguma forma todo esse movimento revela o problema que muitos estudiosos tiveram em entender as línguas em sua essência e para além de suas diversidades. A busca da totalidade e universalidade revelam a megalomania de transformar Razão humana em Deus. Além de desprezarem a diversidade em lugar de observá-la como um canal de compreensão da essência da língua e de sua natureza histórica. É o contraste que revela as essências. Se uma língua fosse completamente separada da outra, não haveria possibilidade de se traduzir nenhuma palavra ou signo para qualquer outro idioma. Qualquer língua no mundo e na história apresenta algo de forma singular que é também expresso em qualquer outra dentro de outra forma, essa coisa é a linguagem, é o conteúdo, a forma é a língua. Assim, Linguagem não é mera capacidade comunicativa e língua não apenas o grupo de palavras e regras.

Acredito que estar a par deste processo ajude o tradutor a ver-se livre de certas ciladas de sua profissão. No que tange ao ofício do Tradutor poderíamos evocar um pouco do pensamento de Walter Benjamin (WB). Este filósofo foge da ideia de que a tradução seria uma traição – tradutor, traidor – esta concepção é reduzida às palavras e à uma linguagem morta. A fidelidade se opõe a liberdade. 

Para WB o texto é uma forma em que algo se apresenta, uma ideia se apresenta dentro daquela forma. Cabe ao tradutor re-formar o texto, usando outros elementos que comuniquem a mesma ideia. O idioma é um produto histórico de uma cultura e civilização, por isso ele é singular, mas constitui um código capaz de produzir uma forma que transmita os sentidos e conceitos a qualquer um. 

Assim, a tarefa do Tradutor tem outra dimensão. O tradutor não deve deter-se ao domínio da equivalência dos termos. O autor precisa ser capaz de contemplar o que se comunica dentro do texto para trans-pôr, trans-formar, formar em outra língua, preservando a essência do texto. Por tanto o receptor perde sua importância, no momento que o texto é o centro de dedicação do tradutor. 

E aqui se coloca um problema. Para WB alterar a forma para satisfazer essa ou aquela demanda do receptor é mais que a traição, é a morte do conceito original presente no texto. Em respeito à obra o Tradutor deve recriá-la buscando manter sua originalidade, singularidade e totalidade. Se o conceito original é complexo isto é outra coisa. Contudo isso não significa que o Tradutor não possa buscar trazer acessibilidade ao seu novo texto, mas há aí um perigo de arruinar seu trabalho.

Observem que em WB os textos são como as obras de arte e os fenômenos históricos. Cada um deles é produzido com suas particularidades culturais e históricas. O tradutor deve ser capaz de enxergar o passado do texto através de seus fragmentos. Não é só uma pessoa que fala no texto, há uma sociedade com sua cultura e história dentro da individualidade do autor. 

O tradutor não pode impor sua natureza sobre o texto nem antecipar a natureza do mesmo, deve deixar que ela se apresente para ele, o tradutor não pode capturar ou imperar sobre o texto, deve através de seus fragmentos compreender sua essência para que o leitor possa ver dentro da outra forma a mesma essência. Nem tradutor e nem o escritor tiram a essência daqui para ali. Cada um concebe um texto que comunique um sentido, uma experiência humana, o tradutor deve ser fiel ao trabalho do escritor. Assim a tradução complementa a obra dando maior universalidade ao sentido que é comunicado fazendo com que o texto vá além das barreiras dos idiomas.

Toda essa complexa tarefa demanda do tradutor uma maturidade filosófica para a compreensão do que a linguagem humana é. Os textos demandam a capacidade de lidar com o lugar de produção deles. Palavras sem um par na outra língua. Com a perspectiva cultural que reside no texto e que foge completamente à realidade do tradutor e leitor. Além de tudo o tradutor precisa ter erudição e tê-la em todas as línguas em que traduzir. Outro problema que se coloca é o da sub-língua, várias áreas da ciência e tecnologia da sociedade desenvolveram e atualizaram seus vocabulários, dentro de uma única língua. Há toda uma produção científica a qual o texto a ser traduzido se conecta, o tradutor precisa conhecer esta rede e toda está sub-língua, bem como estar a par da tradição do conhecimento que lhe gerou. Precisa conhecer o lugar sócio-histórico do original e que lugar ocupará sua versão.

Por fim o tradutor é um profissional das minúcias, ele precisa compreender as particularidades de cada fragmento do texto para ser capaz de comunicar o mesmo sentido na forma de um novo texto sendo fiel à linguagem. Muito mais que saber emparelhar palavras o Tradutor deve ser capaz de pensar e viver autêntica experiência humana em mais de uma língua para honrar seu ofício.


terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Gregório e a Esfinge



Ø  Deixo aqui nesse long-blogging as reflexões que me arrisco fazer sobre o texto do espetáculo O Canto de Gregório, realizado pelo grupo Magiluth. Procuro me ater a dimensão social do espetáculo, mas minhas condições de espectador e aprendiz de humanidades.
Ø  Parabenizo a equipe do Magiluth que realiza um trabalho fantástico !!

Gregório é um homem diante da esfinge. Ele é sua própria esfinge e a de cada espectador.
“Decifra-me ou te devoro!”
Gregório sofre por não poder solucionar os vários paradoxos sobre a “bondade”, ou mesmo sobre condição humana e os ideais para com ela. Vejo nele o medo de descobrir que a bondade é uma ideia demasiado ilusória. Pedro Wagner nos transmite essa angústia ao encarnar Gregório em seus clamores.
Percebo como o tema desse espetáculo é importante nos dias de hoje em que as pessoas parecem ter perdido a fé na bondade humana através de conceitos como: “O homem não presta!”.
Contudo o canto de Gregório não é um texto simples. Para tentar fazer-se acreditar na veracidade da bondade Gregório, em seus diálogos consigo ou com os outros personagens, procura aferrar-se a vários sistemas explicativos e corroborantes da existência da bondade, que são derrubados pela ácida ironia das outras personagens. Enquanto Gregório está sempre sério e irritadiço os outros atores trazem o sarcasmo e a ironia para corroerem as atrofiadas respostas de fugas dos paradoxos de Gregório.
É visível como Gregório é devorado ao descobrir que não se sabe ao descobrir que não sabe se é um homem bom ou não. Ele é julgado, dentro ou fora de si, pela morte de uma pessoa. Ele sabe e declara sinceramente que disparou e matou, mas até que ponto isso faz dele uma pessoa má?
Não pensemos que o texto de O Canto de Gregório é apenas provocativo, não é mero jogo de ideias de um texto bem escrito, também não é um texto de perguntas fáceis. Como falei, ele é a esfinge um texto a ser completado e decifrado pelo espectador. Reduzir o espetáculo a mero impressionismo teatral é esterilizar toda a obra sob a forma de mera mercadoria para o consumo “cultural”.
Ao se questionar, Gregório se confronta com o simbólico constitutivo da sociedade ocidental, especialmente os paradigmas que engendram nossa forma moderna de viver. Logo nas primeiras falas, Gregório declara que seu pensamento voa mais alto que suas emoções, há um desprezo destas em favor da racionalidade, um elemento importante do surgimento do pensamento moderno. Gregório espera que a racionalidade possa dar-lhe todas as respostas, as emoções poderiam assemelhar-se à animalidade da pessoa humana, neste contexto.
Operando apenas com a lógica linear, “dura”, ele deseja compreender coisas como a sinceridade, honestidade, altruísmo, generosidade, intencionalidade e bondade. Que demandam um raciocínio ambivalente em certa medida, uma outra lógica de pensamento.
Pode-se perceber como o tempo todo Gregório usa conceitos duros e pré-fabricados, um contra o outro, saindo de uma cilada para outra, debilmente identificando o caráter de verdade em cada afirmação que faz. Ele não consegue criticar a própria lógica de questionamento.
Gregório fica estarrecido ao se dar conta e como a sociedade se constitui pela barbárie. – Como acreditar na bondade humana se nossa forma de viver é sempre violenta em certa medida? – Como é possível ser bom se temos que matar e mastigar outros seres para viver? – A sobrevivência é  também um ato de violência.
No desespero da dúvida que o devora, Gregório busca em Deus uma solução, como obter a bondade, ou ser bom, de maneira genuína? O problema é que ele se dá conta que os atos de bondade, supostas provas de sua existência, não passam de rituais de conduta para que as pessoas possam acreditar-se “boas” ou seria melhor dizer que são conformadas? Conformidade social não é bondade, me parece mais com liberdade negativa.
Ele percebe como as táticas sociais são assimiladas para dissimular a barbárie da forma de viver, anestésicos sociais. Em Jesus Cristo é que Gregório espera encontrar algum ensinamento ou revelação transcendental da bondade. E aí é que Cristo vem sarcasticamente mostrar-lhe que não possível saber nada sobre Deus. O Deus que Gregório busca é na verdade uma projeção de um Macho Onipotente, o mito da sociedade fálica. A bondade seria um risco, um salto para o abismo, não se pode limitar à segurança, à fiança ou a alguma troca. Era preciso dar o primeiro passo em direção a bondade, ou à “não violência”, ser o exemplo, disse o Cristo para Gregório.
Eis que num impulso Gregório decide fazer um pacto de paz consigo, sonhando com o dia em que as diferenças não significassem nada, nada mesmo, elas seriam estupidamente esvaziadas de sentido, mais importante era a Paz. Um ateu concordaria em tudo com o crente, como se amar fosse idêntico a aprovar. Ninguém mais se importaria com nada, sem preocupações todos seriam felizes, rindo como hienas, um riso de tolos, fingindo serem felizes. Ignorar os problemas não solucioná-los.
O prazer em ignorar a realidade, em ser ignorante, é outro anestésico social, um dos mais perigosos. Esvaziamos o valor de tudo através do relativismo onde as diferenças e as tensões sociais entre elas são falsamente anuladas, como que se ficassem invisíveis. Os poderes, contradições, perversidades explorações, crimes, violências que operam e se revelam nelas nas contradições existentes em nossa sociedade são ignoradas sob o pretexto de paz.
Lembro-me de Marcelino Freire em Rasif e seu poema sobre a paz. A paz é muito branca, muito limpa, muito organizada. A Paz precisa é de sangue !!
“Qual a paz que eu não quero conservar pra tentar ser feliz? (Rappa – Minha Alma)” – A paz da ignorância é um anestésico muito venenoso.
Nas ciladas da lógica argumentativa linear do relativismo, Gregório e Sócrates não sabem se é melhor ter um princípio é algo válido, ou se ter muitos ou nenhum princípio é válido para viver. O princípio seria uma tentativa de, pelo pensamento limitado, determinar a imprevisível realidade; conceber e assegurar uma forma de ser feliz pelo pensamento já concebido como algo falho. A questão é “Se somos limitados no pensamento, como podemos assumir que este código de conduta dará conta de nos fazer felizes na imprevisibilidade do acaso?” – Não podemos enquadrar a realidade da vida num sistema, capturando-a, assumindo conhecer tudo sobre ela e depois acreditar ter o poder de dizer qual é a formula da felicidade. Esta é a prática são reduzidas à sua utilidade, são esvaziadas em seus sentidos. Tudo possui uma Razão de Ser, cada coisa e cada pessoa é tomada como uma peça que tem sua função pré-determinada e ser feliz é servir a este propósito, “princípio”.
A cena do julgamento de Gregório expõe ainda mais a sociedade de controle na tradição do Direito. A personagem do juiz encarna a indiferença e a falta de alteridade em relação ao réu. A intimidade do réu não tem valor algum diante dos rituais do Direito. O que importa é que decidam se Gregório está certo ou errado, o juiz está ali como algoz apenas, para executar a sentença, o comportamento da personagem mostra como a figura do juiz não exerce a capacidade de mediar a análise das circunstâncias do crime. Essas sensações se confirmam pela atitude do juiz quando sem alguma paciência tenta apressar o julgamento e quando se enfada começa a chupar balas, pirulito, comer salgadinhos. – A sociedade tem pressa em encontrar o culpado, é preciso sentenciar logo alguém para que ele mostre seu poder de coerção.
A personagem do promotor de justiça é muito eloquente, ele tem a mesma pressa e uma sede enorme de atestar que Gregório é sim o culpado, pois o promotor já tem esta certeza, os fatos não mentem, eles seriam autoexplicativos. Para ele, se Gregório matou é logicamente uma pessoa perversa. Ele é incapaz de vez a sinceridade de Gregório. O promotor encarna a cólera da nossa sociedade em manter a barbárie reproduzida para reproduzir sua forma de poder e a forma de viver das pessoas, o status quo.
Se houve transgressão (crime) deve haver um culpado e há demasiada pressa em encontrá-lo e supliciá-lo em praça pública ou televisiva. Esse é o papel do Estado, administrar a barbárie de maneira exemplar para simbolicamente e pragmaticamente afirmar seu poder de controle e destruição, o Estado poderia ser comparado ao deus da morte brincando de deus da vida. Os tribunais encarnam o direito de violência do Estado.
É o júri que procura inserir certa mediação das circunstâncias. Uma vez que já se sabe que Gregório matou de fato alguém, para o júri um dado menos “duro” é importante para a formação de sua opinião: “Gregório é um homem bom?”.
O júri inicia uma inversão da estrutura desumanizada do julgamento que queria através do endurecimento dos fatos fazer “justiça” desconsiderando a importância antropológica do crime. Nem mesmo Gregório acredita na vontade do júri, ele que a esta altura parecia ter certeza de sua pena. Esta ultima pergunta do júri perfura ainda mais a identidade de Gregório sem salvar-lhe, ele não sabe a resposta, não consegue encontrar um só motivo para provar-se bom. Abandonado às ciladas do pensamento ele se desespera completamente. Um desejo ardente por ser bom, mendiga uma misera razão para a autopiedade, para ter fé na pessoa humana. O ator que interpreta Gregório nos faz sentir esta dor.
Ele finda por desejar não pensar, não ver, não sentir, que não exista o pensamento, nem a linguagem, nem o verbo, nem o tempo, nem o ser. Todo o questionamento de Gregório figura como um processo de autodestruição. Me pergunto se um questionamento genuíno não teria sempre certa dose de autoviolência . Gregório se perde nesse processo e é devorado pela esfinge da dúvida ambivalente, é incapaz de ir além da estrutura de seu próprio pensamento. Ele consegue expor certas contradições, mas não todas. A própria forma questionar de Gregório carrega um ritual que supõe uma capacidade encontrar uma verdade genuína inegável. As limitações da linguagem decepcionam nosso Gregório, ele rejeita as emoções e as ambiguidades, por isso sua lógica é linear. Busca que o conceito pré-fabricado se aplique à realidade através de uma espécie de cimento discursivo.
Contudo vejo em Gregório um compromisso com a busca da verdade, ele tem a sede de questionar, pode até ser um anti-herói, mas não se contenta em não ter respostas, a dúvida o corrói, Gregório não suporta ser um ignorante, não suporta ser pessimista em relação à vida, ele busca a todo tempo uma esperança para a vida humana além de sua miséria. Gregório ama a vida, mesmo que não se dê conta disso, é um pessimismo da esperança o que move Gregório.

Acho que essa deveria ser a nossa atitude depois de sermos todos incomodados pelas dúvidas de Gregório, que, se já não eram, passam a ser também as nossas dúvidas. Acho que essa deve ser a nossa atitude, como um tipo de anti-herói, Gregório revela a impossibilidade de viver o amor e a generosidade com uma estrutura de pensamento tão rígida e até desumana, é um desafio à sanidade mental. É preciso aprender a pensar o mundo, a ser no mundo de uma outra forma para não nos destruímos como Gregório. Pobre Gregório.

“Esse é o vírus que eu sugiro que você contraia.
Na procura pela cura da loucura
quem tiver cabeça vai morrer na Praia ... (Djavan – A Carta)”