foto de uma menina de 7 anos na birmânia, ela está vestida para seu casamento.

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quinta-feira, 21 de abril de 2011

! Alô, alô, Realengo ! ... ! Pra você que já me esqueceu !


“(...)


Alô, alô, seu Chacrinha
Velho guerreiro
Alô, alô, Terezinha
Rio de Janeiro
Alô, alô, seu Chacrinha
Velho palhaço
Alô, alô, Terezinha
Aquele Abraço!

Alô moça da favela
Aquele Abraço!
Todo mundo da Portela
Aquele Abraço!
Todo mês de fevereiro
Aquele passo!
Alô Banda de Ipanema
Aquele Abraço!

(...)

 Prá você que (já) me esqueceu !
 

(...)

Alô, alô, Realengo
Aquele Abraço!” (Aquele Abraço, Gilberto Gil)




Alô, alô pra vocês desmemoriados espectadores, já quase esquecidos das notícias com data de validade. Alô você que não lembra de nada. Alô, alô Realengo, Aquele abraço !”

É curioso como fui levado a escrever o próximo texto deste Slow Blogging sobre a violência em nossa época. Nos últimos dias convivemos com o caso de Realengo, mas o pior é ler ou ver notas, comentários e noticiários falando absurdos que apenas revelam a incapacidade da nossa sociedade de compreender a si mesma de maneira crítica. O caso de Realengo não é só uma prova de que a violência está instaurada na nossa cultura, é mais, é a prova da falência das competências humanas de nossa sociedade, ou, dá flacidez e atrofia que assolam a nossa cultura em um mundo solapado pela técnica e pela degeneração do indivíduo.

Eu gostaria de refletir sobre a barbárie que se manifesta através do caso Realengo. É interessante o desespero da sociedade pela busca de um culpado tendo em vista que o principal autor das mortes já está morto. Para este lado abrem-se discussões se a culpa é da arma ou do atirador onde a resposta tem sido “armas não matam pessoas, pessoas não matam pessoas” que assume uma separação estéril entre o sujeito e o objeto, onde este último pelo signo da passividade é esvaziado da capacidade de apresentar a verdade histórica e cultural de nossa sociedade, na sua relação com o sujeito. (este tema foi muito bem discutido por um jornalista carioca, Gustavo Barreto, em seu blog http://www.consciencia.net/gblog/eu-no-minimo-tomaria-cuidado-com-um-sujeito-desses/)

Enxergo uma tradição do Direito que na personificação dos tribunais, polícia e jornalismo policial procuram determinar a culpa pela relação de causa e efeito (teleologia). O crime, a morte, estão no campo do efeito; o modus operandi (modo de execução do crime) e o sujeito, o criminoso, residem no campo da causa. “Quem causou tantas mortes em realengo?”. O principal objetivo dos tribunais não é meramente identificar a causa do crime (modus operandi), mas identificar o sujeito ligado à esta causa. A lei e os tribunais têm como tarefa manter “o equilíbrio ideal” entre as forças existentes nos elementos Estado, no momento em que há um crime este equilíbrio é destruído e é tarefa da Lei restituir tal equilíbrio pela compensação. Esta compensação é uma ação de força e quase sempre um ataque em resposta a fonte do desequilíbrio, retaliação. No caso do assassino que ataca matando, terá sua liberdade atacada sendo preso, em alguns países, perderá a liberdade e a vida logo depois.

No momento do crime não é somente indivíduos que são vitimados a sociedade se apresenta como principal vitíma também, especialmente porque o “contrato social” teria sido violado. De alguma forma, na visão teleológica positivista do direito, o crime é o momento em que o sujeito ataca também ao coletivo, a nossa sociedade é incapaz de perceber que a própria sociedade em sua cultura e história se apresenta na ação dos sujeitos agressores também. Dessa maneira, a primeira coisa que a sociedade enxerga, inevitavelmente, é o crime e a partir do crime seu causador, o criminoso, e nele se encerra a busca por que já se pode eleger o alvo do contra-ataque através do qual seria re-estabelecido o equilíbrio ou saciado o desejo de vingança. O que se revela quase sempre como uma solução imediata pouco racional.

Existe também um sadismo assustador na prática da “justiça” em nossa sociedade. É natural que ao ser agredido alguém busque reagir como um gesto de defesa legítima, mas sabemos que esse desejo nos coloca muito perto de um estado de barbárie se ele não for mediado. Contudo, na nossa sociedade a mediação do desejo de defesa e vingança não é feita de maneira crítica, o perigo do simulacro da barbárie generalizada é substituído pelo simulacro da tradição do direito que toma para si o direito de punir, de vingar, retaliar e aniquilar. A sociedade generaliza para si o sentimento de agressão contra sua integridade e deseja saciar seu desejo de vingança “queimando em praça pública” como o costume do Brasil de destroçar o Judas, ainda muito comum, que revela a nossa eterna vontade sádica de mover a barbárie em resposta à barbárie. O criminoso manifesta a barbárie contra a sociedade, que em seu turno, para retaliar executa a barbárie exorcizada sob o signo da “Justiça”, o justo (justificado) direito de ser violento.

“E você ainda acredita
Que é um doutor
Padre ou policial
Que está contribuindo
Com sua parte
Para o nosso belo
Quadro social... (Ouro de Tolo, Raul Seixas)”

Não tenho a intenção de negar que em o que aconteceu em Realengo foi uma crime bárbaro, o caso é estarrecedor, e não há nada que de razão àquilo. E bem sabemos que Wellington foi autor dos disparos, autor e culpado pelas mortes. Mas é como eu falei acima, o caso se torna muito peculiar pelo fato de Wellington estar morto, porque depois do surgimento de um crime existe um ritual a ser reproduzido para dar vazão, especialmente, ao desejo de vingança da nossa sociedade, que não se sacia na repentina morte do atirador.

A frustração dos tribunais e da sociedade, por não ter um réu vivo, deixa nua na nossa frente a histeria e a barbárie da nossa cultura que não consegue se desprender do fetiche do indivíduo culpado, uma única pessoa em que toda a causa da instabilidade social reside na sua totalidade e por isso deve ser expurgado como um representante da sujeira social.

Como a análise da violência que a sociedade faz não consegue ir muito além do sujeito, surgem outras perguntas: “O que causou aquelas mortes”, ou, “Por que matou ele matou?” Que terminam servindo apenas para ampliar os detalhes da imagem imediata do criminoso. Fazer uma pergunta e obter uma resposta verossímil não é necessariamente o suficiente para entender a verdade. É como alguém que perdeu sua memória, mesmo que eu desse a ela todas as respostas, ela não as entenderia. Todos nós vivemos no mundo real, mas poucos sabem qual é a verdade imanente deste mundo; de alguma forma a humanidade perdeu sua memória e por isso é incapaz de compreender as resposta que por ventura seja capaz de obter.


> Frases de amigos meus: “Desde quando jogar ensina você a manusear armas de fogo?” – “Se GTA e CS te fazem um assassino, então se preparem porque eu serei o novo Pelé joga jogando futebol no computador!!”

Na busca de mais detalhes sobre o crime a sociedade aponta novos culpados, da mesma maneira pontual e imediata. Por Exemplo, Wellington jogava jogos violentos de tiro, como Counter Strike e Call of Duty ou GTA. Aponta também que esse tipo de crime aconteceu pelo acesso que Wellington teve ao mundo do crime e as armas, novos culpados surgem, os traficantes de armas. Procuram saber se os possíveis amigos imaginários dele são pessoas reais e se ele tinha envolvimento real com algum grupo terrorista, para apontar um novo culpado. Ou ainda, sabem apenas dizer que Wellington agiu daquela maneira porque sofria Bulling e o isso é culpa dos alunos que foram agressores morais de Wellington, o que não justifica o crime. Mas sacia a necessidade da sociedade de apontar um culpado, nunca se terá o culpado ideal, autor do crime, mas com vários culpados secundários a sociedade vai movendo de maneira fragmentada sua “justiça vingativa” como se limpasse de maneira corretiva e preventiva a sociedade para saciar seu castrado desejo de vingança, ou de restabelecer sua ilusão de sociedade em harmonia.

Aparentemente não há nenhum problema em ampliar os questionamentos e buscar mais detalhes sobre o evento, ao contrário, isso é muito sadio para a uma compreensão mais acertada de um evento tão funesto dos nossos dias. O problema reside na incapacidade clara de entender como a “culpa” de cada personagem se apresenta como manifestação da barbárie constitutiva da evolução de nossa sociedade. Sabemos que Wellington puxou o gatilho (barbárie), mas esquecemos as vezes que há muito tempo o gatilho da barbárie foi puxado contra ele – e não reduzo esta frase ao Bulling que ele sofreu.

Falar que Wellington assassinou pessoas porque se tornou violento tendo em vista que jogava jogos extremamente agressivos, sofria perseguição e teve acesso ilícito a armas; e depois apontar que todos estes elementos e pessoas são os culpados juntamente com Wellington pela chacina de Realengo; é ainda pouco. É não compreender a verdade que está na sua própria frente. E além de incapacidade, talvez também seja a fuga, de apontar dois outros culpados, autores de todas as violências relatadas – a cultura e a sociedade.

A nossa cultura revela o tipo de relação que os indivíduos e sociedade tem com o mundo. Evento de Realengo, mesmo antes da chacina, como os desdobramentos do caso revelam como a violência irracional é um fator fundante do tipo de civilização que temos. Mesmo quando a nossa sociedade procura combater a violência ou mediá-la, o faz através de uma violência travestida de racionalidade que não passa de uma instrumentalidade técnica da violência, um refinamento da barbárie.

Se a sociedade é a principal culpada então um paradoxo se estabelece, pois ela e também a principal vítima, com dois agravantes, a própria sociedade será o tribunal, o algoz e será o réu punido. Neste processo, que legitima autodestrutividade, os indivíduos findam sendo os mais sacrificados, especialmente sujeitos como Wellington e as crianças mortas por ele. Pois o a verdadeira violência não será justificada, a justiça é apenas um embuste, onde um individuo toma o lugar de réu e culpado, enquanto outros culpados vestem máscaras que exigem deles qualquer sombra de culpa.

A lógica do pensamento de nossa sociedade apresenta-se lamentavelmente incapaz de lidar com esta dialética, sendo apenas capaz de executar um processo vergonhoso que mais parece com uma seleção eugênica entre culpados e inocentes, puros e impuros, onde os culpados são como cúmplices mesmo crimes e os punidos algo parecido com um tipo “bode expiatório”.

Por outro lado há o sentimento de culpa da sociedade que por sentir-se responsável por essa ou aquela negligencia e não conseguiu evitar o crime, que seria seu papel. Culpa esta que é agravada pelo Bulling constatado que aparece com uma agressão, uma exclusão social, que no papel de agressores coloca tantos os alunos da escola de Realengo como também aponta para busca histérica na nossa cultura por uma sociedade e um humano perfeitos, e mais ainda por imagens perfeitas dele. O que se assemelha a coisas como: Eugenia, Apartheid, Anti-Semitismo, Arianismo, Racismo e etc. Pergunto: “Se os puros são os mais desejados e amados, o que acontecerá aos que por ventura forem julgados como impuros pelos outros?”

E com a culpa que as pessoas sentem que elas começam a tomar atitudes irracionais que não passam de tentativas imaturas e lamentáveis de compensar a perda e culpa irracional que sentem. Estou falando de uma campanha que foi feita dias depois da chacina em que as pessoas no MSN começaram colocar seus status em Ocupado, cuja cor é vermelha, para honrar a morte das crianças em Realengo. É um absurdo completo, uma palhaçada !!!

Pergunto: “Porque Wellington ficou de fora?” – “Em que isso honra as mortes de 12 crianças e as feridas de tantos outros, feridas físicas ou não?” – “Se honrar é compensar, então que compensação uma campanha irracional de bosta desse tipo trás para as famílias do assassino e das vítimas?” – Falei que tudo isso era ridículo a um amigo meu e que se ele queria fazer algo que compensasse a perda, que então abrisse uma conta e começasse a arrecadar dinheiro. Sem argumento nenhum e ainda buscando estar certo, ele me retrucou sobre o que eu estava fazendo se já tinha juntado dinheiro. Mal sabe ele que buscar uma consciência critica é uma atitude concreta busca desmascarar os embustes relacionados às mortes e assassínios de tantas pessoas, bem como mover esta crítica como fiz com amigos e faço neste texto.

Toda esta palhaçada acontece porque a nossa sociedade é incapaz de perceber o que outro amigo me disse: “caso Realengo para mim é a dissolução do eu na barbárie”. Wellington sem ter conseguido, ter sido educado, ou mesmo ajudado a mediar de maneira crítica a barbárie que da qual ele foi alvo desde cedo; teve a estrutura de seu caráter organizada e sua relação com a realidade mediada pela barbárie, o que se revelou auto-destrutivo levando-o a escolher a destruição si e dos outros como um fim do sofrimento de viver e seu gesto de vingança. Uma realidade de vida terrível, mais comum do que se pode pensar. Os indivíduos têm suas identidades corroídas pelas barbáries desde cedo, trazendo em dado momento efeitos trágicos.

A instrumentalidade do pensamento alheio à razão crítica se torna imediata faz com que nossa sociedade se assemelhe a uma comunidade sem memória incapaz de testemunhar a apresentação da verdade pelos particulares e minúcias que tanto faz questão de averiguar como se atestasse a qualidade de sua técnica e cada fato ou elemento fosse auto-explicativo. Parece haver um desejo funesto da sociedade de não ver a verdade e permanecer no sono da ignorância, ignorando que o problema em si apresenta-se no tipo de relação que os sujeitos, coletivos ou individuais, que experimentam com o mundo.

 “Qualquer um que vaga na escuridão busca a luz,
  Mas quando alcança a luz,
  Desvia seus olhos dela, pois eles sentem dor.
  A verdade também é assim.
  Um dia você vai desviar seus olhos da luz da verdade
  E conhecerá a escuridão eterna.” (Ergo Proxy, Episódio 09).

Um comentário:

  1. Muito triste(mas tem q doer),muito bom seu texto!A imprensa se esgota e se enrosca em si mesma assim como todos nós(alguns mais outros menos).Como sair desse condicionamento? gosto muito do Krishnamurti.
    Até mais.
    Berzé

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