foto de uma menina de 7 anos na birmânia, ela está vestida para seu casamento.

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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Lá No "Varal de Casa"


Deixo aqui as impressões de um mero espectador.


Como leitor, vejo O Varal de Casa como um tipo de materialidade teatral dos tormentos. Somos feitos das marcas que habitam em nós. Cada personagem do Varal é uma fusão de marcas. Marcas de doces amores brutalizados pelo machismo que transforma a mulher e a família do patriarca em posse.
Amargamente Mariano descobre que a morte física do outro não é a morte da memória. Eis porquê eu e você somos "nós". Ao que parece, a roleta russa é na verdade a expressão da brutalidade contra a dor de viver destruindo, passo a passo, a importância do outro na própria vida. Amores, sonhos, fé, prazer; tudo é mitigado a cada estourar do tambor de um revólver crucificante.
Não há como não identificar Dona Laura, Alice e Mariano com uma simbióse, impressão esta que se retrata na cena inicial do parto. E não importa se isto se passa apenas na mente de uma das personagens. O desespero de Mariano o leva a apagar cada traço de dor de seus amores brutos, findando por apagar-se também. O Varal de Casa também fala da fuga de si mesmo.
Quem assiste a superposição de micro-eventos no desenrolar das cenas, onde o jogos de luzes parece dar uma arte-final à essa construção, poderia facilmente associar com as memórias recorrentes de um trastorno obssessivo.
Você já limpou alguma vez as suas cagadas?  - O desespero de Mariano na face do ator, um misto de choro e pânico. Laura é a entidade do carinho por Mariano mas também aquela que se vê em cheque por ver seu amado ferir e estuprar sua pequena Alice, buscando uma resignação insuportável. Alice, por sua vez é a sede de sangue , é a vingança travesida de justiça, ou vice-versa. É também a mais submetida pois deve obdiência e amor à mãe e ao pai. Mas Alice é, curiosamente, a questionadora e a mentora.  Como pode manter um amor para com um homem que dilacerou seus sonhos, passando por cima das dores da mãe e das dela também - Chego a ver um conflito de identidades dentro de Alice.


Mas quando penso que tudo se passaria dentro de Mariano, me pergunto como ele poderia nutrir algum amor prórpio? É interessante que ele voltou para a casa onde viveu com elas, depois de assassiná-las - Por que você voltou !? - Aquelas paredes ficaram impregnadas, assim como o ser dele, das sombras e espíritos de Laura e Alice. Sombras histéricas e deformadas.

Vejo O Varal de Casa como um testemunho muito bem dirigido e bem interpretado das dilaceração do outro que opera em nossa cultura, essencialmente machista. Onde um indivíduo venha a conceber-se quase onipotente, fazendo dos outros objetos de posse, e tornando-se sua propria ruína.

(Esse texto foi publicado em 12/12 de 2011, na época da primeira temporada do Varal de Casa.)

Nesse momento, Maio de 2012, tive o prazer de ser surpreendido por um Varal de Casa completamente diferente. O primeiro era um espetáculo simplificado sem perder a sua força e profissionalismo. O Festival de Teatro de Curitiba teve o prazer de acolher a primeira versão e serem inquietados por este belo trabalho.

Ontem lá fui eu rever meus amigos no palco, dessa vez Willams Costa somente dirigiu, o papel de Dona Laura ficou com João Guilherme de Paula. Junior Foster (Mariano) e Adilson Di Carvalho (Alice) seguiram como antes.

O Varal de Casa é uma fênix, é um novo espetáculo que germinou de suas cinzas. O uso do palco e de novos elementos tornou a peça muito mais dinâmica e envolvente, a sonoplastia de Márcio Andrade cai como uma luva, Cleison Ramos também mostra a qualidade de seu trabalho na iluminação, os executores de som e luz fazem jus ao trabalho de seus colegas, em todas as sincronias

Sem perder a mesma essência. Ao ler este texto meses depois e depois de ver a segunda versão, tenho a exata certeza de que é O Varal é o O Varal. Mas não há dúvidas de que a peça amadureceu muito, os atores também, sem dúvida a contribuição de Emerson Deyvison, o autor do texto, foi crucial. Mas a direção e a competência dos atores em darem vida ao Varal de Casa, são formidáveis.

Comentaria apenas uma ou duas coisas em relação à sua nova versão. Os elementos que remetem a dimensão religiosa da cultura e ambiente social, em que a família tradicional do interior está inserida, se fazem mais presentes. Símbolos da tradição Cristã Católica aparecem fazendo alusão a coisas mais profundas, mera objetividade não daria conta de sua compreensão. Um espectador mais provinciano poderia horrorizar-se. Lembremos que o teatro é sim profano.

Quero chegar ao ponto de que vejo os elementos religiosos dentro da dramaturgia como aqueles que comunicam a incapacidade da comunhão daqueles que se destroem. A religião, especialmente a cristã, tem um senso comum-união muito forte, a comunhão é o centro de toda a fé Católica, são só o sacramento da Eucaristia em si. A fé foi absolutamente incapaz de unir aquelas pessoas, não havia amor, mas sim ódio, tormento. Aquela família era incapaz de comer do mesmo pão, pão da Palavra nunca os alimentou, por mais que repetissem tal ritual. Emerge assim como um antagonismo, uma busca arruinada. Toda a ordem e paz foi tirada e arrancada pelos crimes de Mariano.
Acredito que os elemento religiosos também nos comuniquem o sacrifício, a redenção, a libertação, a entrega de si próprio à morte. Vejo, talvez de maneira alegórica, essa impressões através do elemento da Cruz em cena. Temo pela banalização do sentido da religião e de sua importância, mas não acredito que esse seja o sentido do uso dos elementos religiosos no texto da peça.

Fico muito feliz de assistir e me emocionar com o trabalho de meus amigos. Definitivamente o Varal de Casa é o tipo do teatro para nos tirar da zona de conforto e nos trazer a realidade e a dor do nosso mundo. O Varal de Casa comunica a barbárie de nossa sociedade e seus efeitos para a pessoa humana. A peça é uma alegoria da destrutividade, e da auto-destrutividade também. O Teatro Joaquim Cardozo está de parabéns por acolher pela segunda vez ele belo espetáculo.

Meus parabéns a Willams Costa, Adilson Di Carvalho, Junior Foster, João Guilherme de Paula, Anderson Damião, Márcio Andrade, Cleison Ramos, e todas as outras pessoas envolvidas na produção do Varal de Casa.


Túlio Miranda.

Teatro Joaquim Cardozo Ufpe


Sextas e Sábados / 20:30hs
de 04 de Maio a 30 de Junho
Texto: Emerson Deyvison
Direção: Wıllams Costa
Elenco: Adilson Di Carvalho, Júnior Foster e João Guilherme de Paula.
Figurino e Maquiagem: Adilson Di Carvalho
Iluminação: Cleison Ramos
Operação de Luz: Cleison Ramos e Carolina Correa Lira
Sonoplastia: Márcio Andrade
Operação de som: Anderson Damião
Cenário: Willams Costa
Realização: Coletivo Âmbar de Teatro

quinta-feira, 21 de abril de 2011

! Alô, alô, Realengo ! ... ! Pra você que já me esqueceu !


“(...)


Alô, alô, seu Chacrinha
Velho guerreiro
Alô, alô, Terezinha
Rio de Janeiro
Alô, alô, seu Chacrinha
Velho palhaço
Alô, alô, Terezinha
Aquele Abraço!

Alô moça da favela
Aquele Abraço!
Todo mundo da Portela
Aquele Abraço!
Todo mês de fevereiro
Aquele passo!
Alô Banda de Ipanema
Aquele Abraço!

(...)

 Prá você que (já) me esqueceu !
 

(...)

Alô, alô, Realengo
Aquele Abraço!” (Aquele Abraço, Gilberto Gil)




Alô, alô pra vocês desmemoriados espectadores, já quase esquecidos das notícias com data de validade. Alô você que não lembra de nada. Alô, alô Realengo, Aquele abraço !”

É curioso como fui levado a escrever o próximo texto deste Slow Blogging sobre a violência em nossa época. Nos últimos dias convivemos com o caso de Realengo, mas o pior é ler ou ver notas, comentários e noticiários falando absurdos que apenas revelam a incapacidade da nossa sociedade de compreender a si mesma de maneira crítica. O caso de Realengo não é só uma prova de que a violência está instaurada na nossa cultura, é mais, é a prova da falência das competências humanas de nossa sociedade, ou, dá flacidez e atrofia que assolam a nossa cultura em um mundo solapado pela técnica e pela degeneração do indivíduo.

Eu gostaria de refletir sobre a barbárie que se manifesta através do caso Realengo. É interessante o desespero da sociedade pela busca de um culpado tendo em vista que o principal autor das mortes já está morto. Para este lado abrem-se discussões se a culpa é da arma ou do atirador onde a resposta tem sido “armas não matam pessoas, pessoas não matam pessoas” que assume uma separação estéril entre o sujeito e o objeto, onde este último pelo signo da passividade é esvaziado da capacidade de apresentar a verdade histórica e cultural de nossa sociedade, na sua relação com o sujeito. (este tema foi muito bem discutido por um jornalista carioca, Gustavo Barreto, em seu blog http://www.consciencia.net/gblog/eu-no-minimo-tomaria-cuidado-com-um-sujeito-desses/)

Enxergo uma tradição do Direito que na personificação dos tribunais, polícia e jornalismo policial procuram determinar a culpa pela relação de causa e efeito (teleologia). O crime, a morte, estão no campo do efeito; o modus operandi (modo de execução do crime) e o sujeito, o criminoso, residem no campo da causa. “Quem causou tantas mortes em realengo?”. O principal objetivo dos tribunais não é meramente identificar a causa do crime (modus operandi), mas identificar o sujeito ligado à esta causa. A lei e os tribunais têm como tarefa manter “o equilíbrio ideal” entre as forças existentes nos elementos Estado, no momento em que há um crime este equilíbrio é destruído e é tarefa da Lei restituir tal equilíbrio pela compensação. Esta compensação é uma ação de força e quase sempre um ataque em resposta a fonte do desequilíbrio, retaliação. No caso do assassino que ataca matando, terá sua liberdade atacada sendo preso, em alguns países, perderá a liberdade e a vida logo depois.

No momento do crime não é somente indivíduos que são vitimados a sociedade se apresenta como principal vitíma também, especialmente porque o “contrato social” teria sido violado. De alguma forma, na visão teleológica positivista do direito, o crime é o momento em que o sujeito ataca também ao coletivo, a nossa sociedade é incapaz de perceber que a própria sociedade em sua cultura e história se apresenta na ação dos sujeitos agressores também. Dessa maneira, a primeira coisa que a sociedade enxerga, inevitavelmente, é o crime e a partir do crime seu causador, o criminoso, e nele se encerra a busca por que já se pode eleger o alvo do contra-ataque através do qual seria re-estabelecido o equilíbrio ou saciado o desejo de vingança. O que se revela quase sempre como uma solução imediata pouco racional.

Existe também um sadismo assustador na prática da “justiça” em nossa sociedade. É natural que ao ser agredido alguém busque reagir como um gesto de defesa legítima, mas sabemos que esse desejo nos coloca muito perto de um estado de barbárie se ele não for mediado. Contudo, na nossa sociedade a mediação do desejo de defesa e vingança não é feita de maneira crítica, o perigo do simulacro da barbárie generalizada é substituído pelo simulacro da tradição do direito que toma para si o direito de punir, de vingar, retaliar e aniquilar. A sociedade generaliza para si o sentimento de agressão contra sua integridade e deseja saciar seu desejo de vingança “queimando em praça pública” como o costume do Brasil de destroçar o Judas, ainda muito comum, que revela a nossa eterna vontade sádica de mover a barbárie em resposta à barbárie. O criminoso manifesta a barbárie contra a sociedade, que em seu turno, para retaliar executa a barbárie exorcizada sob o signo da “Justiça”, o justo (justificado) direito de ser violento.

“E você ainda acredita
Que é um doutor
Padre ou policial
Que está contribuindo
Com sua parte
Para o nosso belo
Quadro social... (Ouro de Tolo, Raul Seixas)”

Não tenho a intenção de negar que em o que aconteceu em Realengo foi uma crime bárbaro, o caso é estarrecedor, e não há nada que de razão àquilo. E bem sabemos que Wellington foi autor dos disparos, autor e culpado pelas mortes. Mas é como eu falei acima, o caso se torna muito peculiar pelo fato de Wellington estar morto, porque depois do surgimento de um crime existe um ritual a ser reproduzido para dar vazão, especialmente, ao desejo de vingança da nossa sociedade, que não se sacia na repentina morte do atirador.

A frustração dos tribunais e da sociedade, por não ter um réu vivo, deixa nua na nossa frente a histeria e a barbárie da nossa cultura que não consegue se desprender do fetiche do indivíduo culpado, uma única pessoa em que toda a causa da instabilidade social reside na sua totalidade e por isso deve ser expurgado como um representante da sujeira social.

Como a análise da violência que a sociedade faz não consegue ir muito além do sujeito, surgem outras perguntas: “O que causou aquelas mortes”, ou, “Por que matou ele matou?” Que terminam servindo apenas para ampliar os detalhes da imagem imediata do criminoso. Fazer uma pergunta e obter uma resposta verossímil não é necessariamente o suficiente para entender a verdade. É como alguém que perdeu sua memória, mesmo que eu desse a ela todas as respostas, ela não as entenderia. Todos nós vivemos no mundo real, mas poucos sabem qual é a verdade imanente deste mundo; de alguma forma a humanidade perdeu sua memória e por isso é incapaz de compreender as resposta que por ventura seja capaz de obter.


> Frases de amigos meus: “Desde quando jogar ensina você a manusear armas de fogo?” – “Se GTA e CS te fazem um assassino, então se preparem porque eu serei o novo Pelé joga jogando futebol no computador!!”

Na busca de mais detalhes sobre o crime a sociedade aponta novos culpados, da mesma maneira pontual e imediata. Por Exemplo, Wellington jogava jogos violentos de tiro, como Counter Strike e Call of Duty ou GTA. Aponta também que esse tipo de crime aconteceu pelo acesso que Wellington teve ao mundo do crime e as armas, novos culpados surgem, os traficantes de armas. Procuram saber se os possíveis amigos imaginários dele são pessoas reais e se ele tinha envolvimento real com algum grupo terrorista, para apontar um novo culpado. Ou ainda, sabem apenas dizer que Wellington agiu daquela maneira porque sofria Bulling e o isso é culpa dos alunos que foram agressores morais de Wellington, o que não justifica o crime. Mas sacia a necessidade da sociedade de apontar um culpado, nunca se terá o culpado ideal, autor do crime, mas com vários culpados secundários a sociedade vai movendo de maneira fragmentada sua “justiça vingativa” como se limpasse de maneira corretiva e preventiva a sociedade para saciar seu castrado desejo de vingança, ou de restabelecer sua ilusão de sociedade em harmonia.

Aparentemente não há nenhum problema em ampliar os questionamentos e buscar mais detalhes sobre o evento, ao contrário, isso é muito sadio para a uma compreensão mais acertada de um evento tão funesto dos nossos dias. O problema reside na incapacidade clara de entender como a “culpa” de cada personagem se apresenta como manifestação da barbárie constitutiva da evolução de nossa sociedade. Sabemos que Wellington puxou o gatilho (barbárie), mas esquecemos as vezes que há muito tempo o gatilho da barbárie foi puxado contra ele – e não reduzo esta frase ao Bulling que ele sofreu.

Falar que Wellington assassinou pessoas porque se tornou violento tendo em vista que jogava jogos extremamente agressivos, sofria perseguição e teve acesso ilícito a armas; e depois apontar que todos estes elementos e pessoas são os culpados juntamente com Wellington pela chacina de Realengo; é ainda pouco. É não compreender a verdade que está na sua própria frente. E além de incapacidade, talvez também seja a fuga, de apontar dois outros culpados, autores de todas as violências relatadas – a cultura e a sociedade.

A nossa cultura revela o tipo de relação que os indivíduos e sociedade tem com o mundo. Evento de Realengo, mesmo antes da chacina, como os desdobramentos do caso revelam como a violência irracional é um fator fundante do tipo de civilização que temos. Mesmo quando a nossa sociedade procura combater a violência ou mediá-la, o faz através de uma violência travestida de racionalidade que não passa de uma instrumentalidade técnica da violência, um refinamento da barbárie.

Se a sociedade é a principal culpada então um paradoxo se estabelece, pois ela e também a principal vítima, com dois agravantes, a própria sociedade será o tribunal, o algoz e será o réu punido. Neste processo, que legitima autodestrutividade, os indivíduos findam sendo os mais sacrificados, especialmente sujeitos como Wellington e as crianças mortas por ele. Pois o a verdadeira violência não será justificada, a justiça é apenas um embuste, onde um individuo toma o lugar de réu e culpado, enquanto outros culpados vestem máscaras que exigem deles qualquer sombra de culpa.

A lógica do pensamento de nossa sociedade apresenta-se lamentavelmente incapaz de lidar com esta dialética, sendo apenas capaz de executar um processo vergonhoso que mais parece com uma seleção eugênica entre culpados e inocentes, puros e impuros, onde os culpados são como cúmplices mesmo crimes e os punidos algo parecido com um tipo “bode expiatório”.

Por outro lado há o sentimento de culpa da sociedade que por sentir-se responsável por essa ou aquela negligencia e não conseguiu evitar o crime, que seria seu papel. Culpa esta que é agravada pelo Bulling constatado que aparece com uma agressão, uma exclusão social, que no papel de agressores coloca tantos os alunos da escola de Realengo como também aponta para busca histérica na nossa cultura por uma sociedade e um humano perfeitos, e mais ainda por imagens perfeitas dele. O que se assemelha a coisas como: Eugenia, Apartheid, Anti-Semitismo, Arianismo, Racismo e etc. Pergunto: “Se os puros são os mais desejados e amados, o que acontecerá aos que por ventura forem julgados como impuros pelos outros?”

E com a culpa que as pessoas sentem que elas começam a tomar atitudes irracionais que não passam de tentativas imaturas e lamentáveis de compensar a perda e culpa irracional que sentem. Estou falando de uma campanha que foi feita dias depois da chacina em que as pessoas no MSN começaram colocar seus status em Ocupado, cuja cor é vermelha, para honrar a morte das crianças em Realengo. É um absurdo completo, uma palhaçada !!!

Pergunto: “Porque Wellington ficou de fora?” – “Em que isso honra as mortes de 12 crianças e as feridas de tantos outros, feridas físicas ou não?” – “Se honrar é compensar, então que compensação uma campanha irracional de bosta desse tipo trás para as famílias do assassino e das vítimas?” – Falei que tudo isso era ridículo a um amigo meu e que se ele queria fazer algo que compensasse a perda, que então abrisse uma conta e começasse a arrecadar dinheiro. Sem argumento nenhum e ainda buscando estar certo, ele me retrucou sobre o que eu estava fazendo se já tinha juntado dinheiro. Mal sabe ele que buscar uma consciência critica é uma atitude concreta busca desmascarar os embustes relacionados às mortes e assassínios de tantas pessoas, bem como mover esta crítica como fiz com amigos e faço neste texto.

Toda esta palhaçada acontece porque a nossa sociedade é incapaz de perceber o que outro amigo me disse: “caso Realengo para mim é a dissolução do eu na barbárie”. Wellington sem ter conseguido, ter sido educado, ou mesmo ajudado a mediar de maneira crítica a barbárie que da qual ele foi alvo desde cedo; teve a estrutura de seu caráter organizada e sua relação com a realidade mediada pela barbárie, o que se revelou auto-destrutivo levando-o a escolher a destruição si e dos outros como um fim do sofrimento de viver e seu gesto de vingança. Uma realidade de vida terrível, mais comum do que se pode pensar. Os indivíduos têm suas identidades corroídas pelas barbáries desde cedo, trazendo em dado momento efeitos trágicos.

A instrumentalidade do pensamento alheio à razão crítica se torna imediata faz com que nossa sociedade se assemelhe a uma comunidade sem memória incapaz de testemunhar a apresentação da verdade pelos particulares e minúcias que tanto faz questão de averiguar como se atestasse a qualidade de sua técnica e cada fato ou elemento fosse auto-explicativo. Parece haver um desejo funesto da sociedade de não ver a verdade e permanecer no sono da ignorância, ignorando que o problema em si apresenta-se no tipo de relação que os sujeitos, coletivos ou individuais, que experimentam com o mundo.

 “Qualquer um que vaga na escuridão busca a luz,
  Mas quando alcança a luz,
  Desvia seus olhos dela, pois eles sentem dor.
  A verdade também é assim.
  Um dia você vai desviar seus olhos da luz da verdade
  E conhecerá a escuridão eterna.” (Ergo Proxy, Episódio 09).

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

? O homem não presta ?



 Onde estão as coisas selvagens? ... (where are the wild things) ?


Durante os últimos dias eu procurei refletir sobre um tema que me preocupa, especialmente por ser recorrente em algumas conversas que tive com alguns amigos. Às vezes percebo que algumas pessoas acreditam ou se comportam como se alguém pudesse ser absolutamente mau ou perverso, ou que pudesse nascer irremediavelmente corrompido.

 Este tipo de conceito em relação à natureza ou ao comportamento natural das pessoas envolve fatores delicados, mas é importante fazer notar que tal atitude é muito perigosa para a sociedade e que atitudes similares já tiveram efeitos de morte, ou genocídio, em outros momentos da história.

Acredito que uma das marcas mais antigas dessa forma de pensar é a idéia cristã de que o homem já nasce pecador. Meu objetivo não é contestar teologicamente esse conceito, mas o fato de que uma pessoa possa nascer capaz de cometer delitos não significa que ela é má na sua natureza. Significa, na verdade, que tal pessoa é naturalmente livre e pode escolher deliberar a favor ou contra qualquer lei.


Por muitos séculos se acredita que o homem tem instintos básicos e que a sociedade nunca poderá eliminá-los, então a tarefa da sociedade e da cultura seria de educar, ou de domesticar as pessoas, quase selvagens. Freud é um dos estudiosos modernos que opera com um conceito similar a este. Para ele há um constante mal-estar entre a natureza humana e a natureza da sociedade. Todos os homens necessitam que todos seus desejos sejam saciados, mas isso implicaria no desfavorecimento dos outros da comunidade, assim é preciso que haja uma alternância equilibrada entre prazer e frustração ("des-prazer") para que a sociedade e a cultura se sustentem. Por isso a sociedade seria uma coisa anti-natural para a humanidade, mas cada pessoa depende da sociedade por não ser auto-suficiente e para que cada um possa assegurar sua sobrevivência e seus prazeres se vê obrigado a um participar de um tipo de "jogo de interesses", onde a relação básica de aproximação humana teria uma justificativa visionária, egoísta. Acredito, contudo, que é preciso ter calma na hora de assumir certas conclusões. Nem todos os psicanalistas sociais, mesmo tem fortes bases freudianas, concordam com esse pensamento de Freud.













“Puxa o facão, risca o chão
Que sai centelha
Porque tem vez
Que só mesmo a lei do cão” ... (Lenine – Candeeiro Encantado)



Ainda há outro pensador que acho importante citar, Tomas Hobbes, esse camarada inventou de dizer que a natureza humana é violenta. Que a base da relação humana é a força, ou mesmo, a agressão, que tal disputa permite a individualização das pessoas, afinal cada um lutaria por si ou por interesses próprios. O homem não é, para Hobbes, naturalmente sociável, a organização da sociedade em torno do mais forte se dá por interesses pessoais. Essa dedução justificaria o mau comportamento das crianças, dos criminosos, a necessidade de guerras e a importância das punições violentas.
No Cristianismo existe também uma compreensão desse tipo. Na Igreja Católica  atesta-se em seus ensinamentos que o homem, pela sua natureza, é naturalmente inclinado para o pecado, é naturalmente mal. No mundo protestante de herança Calvinista e Luterana existe também essa dimensão de que a conversão do pecador e a sua submissão a Deus é o que purifica o homem, mas não elimina dele a maldade natural. Em palavras breves, é dizer que: O homem precisa ser santificado por Deus por quê é pecador e peca porque não presta. O Pecado Original é muitas vezes um dos maiores argumentos para isso. 
Pode-se dizer que os espiritas escapam desse bojo por acreditarem que as pessoas todas estão destinadas a evoluir e se tornarem grandes seres de luz, contudo me fica um dúvida (justo por não entender de espiritismo): No ato da gênese dos espíritos, são eles de luz ou de trevas? - Se são de trevas, seriam gerados naturalmente mal; se são de luz, como explicam a queda, se é que há queda? - Contudo, me parece que os espiritas tem uma tendencia maior a ver o ser humano como um ser naturalmente bom, embora possa estar equivocado.

O desejo sexual, por exemplo, ainda é visto como uma necessidade animalesca das pessoas, um tipo de perversão que não pode ser tirada das pessoas. O sexo pode ser visto como algo indigno e sujo, um pecado abominável e confundido com o pecado original, umas das coisas que o homem não poderá escapar por ter uma necessidade natural de entregar-se a perdição da carne. Aí estaria a justificativa do casamento cristão, que seria a única forma de um casal fazer sexo sem ofender a Deus, ou sem condenar mais ainda suas almas ao inferno. - Felizmente as igrejas cristãs estão aos poucos aprendendo a reorganizar este conceito, mas ainda é possível ouvir coisas absurdas como esta.

Embora teorias como estas já sejam rejeitadas por estudiosos nos dias de hoje, um dia elas fizeram parte das cartilhas educacionais e inspiraram leis de vários países, gerações inteiras se organizaram através destas concepções, o que se reflete no comportamento e o senso comum das pessoas das gerações atuais. Mas acho que é importante também observar que as pessoas são levadas a pensar assim por que boa parte da nossa cultura se estabelece pela valorização da força masculina (violenta) e da razão instrumental.

Se paramos pra pensar um pouquinho perceberemos como muitos dos nossos valores ocidentais se baseiam na força, na violência e na morte, por conseqüência. Os gregos ainda são admirados como a grande civilização mãe do ocidente e é dela que gostaria de tomar alguns exemplos.


Na cosmogonia, a origem dos deuses ou do cosmos, dos gregos. De si mesma Gaia gera seu marido, Urano, que tem vários filhos com ela, os titãs, e aqui os problemas começam. Urano oprime alguns de seus filhos e os aprisiona (atos de violência), Chronos se rebela e mata o pai, mas este último profetiza que Chronos também morrerá pelo seu sangue. Por isso Chronos engole todos seus filhos após o nascimento deles, até que Zeus nasce escondido e depois de crescido dá ao pai uma poção para que vomite seus irmãos e uma guerra se inicia até que Chronos seja vencido. Zeus a partir daí impera como o senhor do Olimpo, fez-se senhor pela força, pela violência. O mito tem uma função muito forte de compreensão da realidade humana quando abordado de maneira alegórica, ele revela de maneira intuitiva uma verdade. Contudo, durantes gerações poucas pessoas foram capazes de compreender os ensinamentos dos gregos contidos em seus mitos. Muitos detiveram-se à sedução que o fantásticos oferece. Ou seja, fica-se na superfície sensual sem penetrar na endoderme reflexiva do mito.

Mais adiante teremos muitos outros grandes mitos e figuras. Ares, o deus da guerra, ou Hércules, o semi-deus imbatível. Prometeu que rouba fogo para dá-lo a humanidade e é punido com uma violência interminável da águia que come seu fígado que havia se regenerado à noite. Alexandre da Macedônia que alegava ser descendente direto de Hércules e é intitulado "o grande" por ter movido uma guerra que matou incontáveis pessoas de sua nação de das outras que venceu. Roma também se faz admirar pelos seus grandes generais e temidos exércitos. Napoleão fez fama como grande general, inspirado em Alexandre. Na época do renascimento e iluminismo, muitos dos valores e mitos helênicos e românicos foram "re-nutridos".


(abrindo um parêntese) É engraçado como muitas pessoas tem certa idolatria pelos gregos sem mesmo procurar interpretar o significado de sua cosmogonia ou de mesmo perceber que os gregos nem foram tanta coisa assim. Um dia um amigo meu muito espírita me disse que havia um planeta ou lugar do além para onde os gregos tinha ido por terem sido grande civilização e depois de inúmeras reencarnações teriam alcançado alto nível espiritual. Não quero contestar o espiritismo, mas me recuso a acreditar nisso, me parece muito mais com uma mania evolucionista de achar que os gregos eram “os Caras” e que a civilização toda foi redimida, mal sabem muita da evolução grega deu-se através de processos violentos. Os grego criaram a Filosofia, mas foram os gregos que ordenaram Sócrates a beber cicuta como punição. Falar que os Gregos eram um povo ou raça evoluída é, no mínimo, saber muito pouco de História e de Filosofia. Admiro certos aspectos do Espiritismo, mas certas coisas me parecem charlatanice barata para fazer do mundo espiritual um mundo da fantasia.
 Pra mim, parece muito mais um culto ao Poder. Se a Grécia foi a sociedade perfeita, se chamou Utopia, o não-lugar (parêntese fechado)

(Retomando) Hoje a maioria dos filmes e seriados de sucesso são violentos. Os jogos mais aclamados e vendidos são violentos. Um país é temido em razão sua força econômica e militar. As atuais configurações políticas devem-se em grande parte ao desfecho de importantes guerras como a conquista da América a partir do século XVI, a Guerra dos 30 anos, a Primeira e Segunda Grande Guerra. A lei ocidental se apresenta quase sempre como uma mediadora da força, mais especificamente da violência. É recorrente o uso da pena de morte em vários países; o aborto aparece como medida nazista de seleção utilitária das pessoas, reduzindo seu valor a sua aparente capacidade natural; ou os pais que educam seus filhos de maneira excessivamente punitiva. É inegável a presença da barbárie no gérmen da civilização, o processo civilizatório é violento. E chego a acreditar que na totalidade das civilizações há o culto do Poder Violento em seu cerne.













“Enquanto a faca não sai
Toda vermelha
A cabroeira
Não dá sossego não” ... (Lenine – Candeeiro Encantado)



A violência está tão presente na história da humanidade que as pessoas terminam naturalizando a violência como algo que já nasce no ser humano como algo que satisfaz seus desejos mais animalescos, assumindo que são seres perversos. As vezes tão argumento serve para excluir uma etnia como incapaz ou indigna, religiosamente ou politicamente, por sua inclinação natural para a violência. Acredito que é preciso tomar muito cuidado para não cair nesta armadilha da satanização das pessoas, naturalizar a existência do mal, ou da iniquidade, é talvez a atitude mais perigosa e autodestrutiva que podemos tomar. Acredito que isto possa ser um tipo de mecanismo de defesa contra o desespero, ou a impotência, para que possamos conviver com tal realidade para evitar a histeria total, mas o efeito é pior.  



Na nossa cultura a violência está claramente vinculada ao poder, como expressão de domínio, coerção, é a manifestação do poder destrutivo e restritivo que foi muitas vezes utilizado para fundar ordens sociais que já existiram que ainda existem, ou instituições como o as Forças Armadas. Mas a violência não é a única manifestação de poder, o poder pode não ser violento ou perverso. As manifestações da vida humana possuem várias expressões de poder, algumas delas tomam por base a aceitação e união produtiva ao outro, diferente e desconhecido - a alteridade - e não se manifestam de maneira violenta. Mas a negação do outro dentro si, ou o desejo de destruição de sua liberdade ou integridade, já se faz violência em primeira instância, para mais tarde materializar-se.

Mas é preciso observar também que o desejo de poder está, às vezes, ligado a sensação de medo. Um animal quando se vê ameaçado foge e quando não consegue fugir ele ataca. O ser humano reage de maneira similar, ao sentir-se impotente ou ameaçado procura lançar mão de algum esforço para assegurar sua sobrevivência ou o êxito de algum interesse seu. Tal comportamento tanto dos animais como dos humanos, expressa muito mais a importância de conservação da vida que se manifesta nos instintos do que uma possível tendência natural para a violência ou para o mal. E mesmo em casos como estes há um conflito do sujeito com o outro.

Embora isso pudesse explicar o uso da violência como no caso da caça ou da legitima defesa, não encerra os pontos a serem observados. Especialmente porque a pessoa humana não se limita a seus impulsos instintivos, assim, assumir aquela postura seria cair mais uma vez no fatalismo, ou naturalismo. E ser capaz de identificar a violência como um problema de alteridade não deve se tornar uma justificativa para naturalizar a ideia de que o homem é incapaz de viver bem com os outros. Ainda que Sartre fale "L'enfer, c'est les autres" (o inferno são os outros) é preciso perceber quão circunstancial é esta afirmação.

Talvez a primeira experiência de violência das pessoas seja o parto, somo expulsos do lugar mais seguro do mundo, e depois vão lá e cortam o nosso “link” com a mãe. Na sequência temos que viver como pessoas isoladas, temos que nos fazer indivíduos. A ausência do outro se torna angústia e traz a solidão. E mesmo com essas sensações de vazio temos que nos ajustar as regras e determinações da sociedade, nos ajustar, desempenhar nossos papéis na medida em que buscamos solucionar o problema da solidão, da separação.



“Desde os primórdios até hoje em dia.
O homem ainda faz o que o macaco fazia.
Eu não trabalhava, eu não sabia.
O homem criava e também destruía.
Homem Primata!
Capitalismo Selvagem !”   ... (Titãs – Homem Primata)







Assim com o Adão é expulso do paraíso por achar que pode viver sem Deus, a criança é expulsa do ventre para viver sem a mãe. Ser só coloca-nos livres em parte e exige que sejamos capazes de usar essa liberdade para superar a mesma solidão. Mas há o medo, que é agravado pela sensação de insignificância em relação ao mundo violentamente competitivo e individualista que se formou com a evolução do Capitalismo. As pessoas passam a ser instrumentos, peças, das maquinas de geração de capital. Somos levados e condicionados para fins extra-pessoais e parece impossível ir na contra-mão. A conformidade social é exigida a todo tempo que quase sempre desemboca na negação de si mesmo, da sua personalidade e individualidade madura. O medo de ser só e a sensação de impotência está na humanidade desde os primeiros momentos.

A sociedade reage com rejeição e violência para aqueles que não se ajustam socialmente, como um mecanismo de defesa para proteger a integridade de seu sistema, por mais perverso que seja. Ou seja, as pessoas que aceitam e vivem a ilusão da nossa sociedade capitalista, de negar a si mesmo como solução dos problemas existenciais, irão fazer por onde manter indestrutível essa ilusão que torna a suportável e uma repetição infernal e mecânica.

A violência primeira é a negação de si, e depois a negação de qualquer outro individuo, assim como a pessoa instrumentaliza a si, instrumentaliza aos outros em sua relação, violentando suas verdadeiras essências humanas. Aqueles que não capazes de se ajustar ou submeter ao modo de vista capitalista ou de renunciar a si mesmos serão atacados abertamente, além da instrumentalização deverão ser expurgados para que não ameacem a sociedade, como bebes espartanos julgados incapazes sendo jogados de cima do penhasco. Fica notório como nossa cultura tem como recurso de manutenção a violência generalizada da essência humana. A sociedade capitalista é tão frágil que precisa a todo tempo agredir como um animal arisco para evitar ser decifrada e o príncipe virar sapo.


















“Quem me dera
Ao menos uma vez
Entender como um só Deus
Ao mesmo tempo é três
Esse mesmo Deus
Foi morto por vocês
Sua maldade, então
Deixaram Deus tão triste.”  .... (Legião Urbana Indíos)





Alguns dos que não conseguem ou não querem ajustar-se a sociedade por sentirem sua integridade ameaçada terminam por reagir de maneira violenta como um animal, embora não seja a melhor das reações. Alguns que tentam se ajustar se frustram em suas tentativas, ou mesmo em qualquer tentativa de anular a solidão ou de obter felicidade, a frustração pode ter como reação a violência por sensação inconsciente de seguir ameaçado em sua individualidade pela solidão e pela sensação de insignificância, que é acentuada pela sensação de fracasso na nossa sociedade altamente competitiva. A posse, o poder e o prestígio aliviam as angústias na medida em que masturbam o ego, podendo por a pessoa em uma luta selvagem por isso, decidas a rifar tudo por eles, até mesmo vender a alma ao demônio da Wall Street. Os episódios de Nazismo na Alemanha tiveram características similares.  “Is this the world we created ?”, assim cantava Fred Mercury no seu lamento.

Agora parece possível perceber como o senso cada vez mais comum de que “o homem é bicho ruim” é na verdade uma assimilação intuitiva de uma característica essencial do sistema social em que vivemos. Assimilação de uma sensibilidade auto-destrutiva e de negação do outro, levando as pessoas com isso a se tornarem descrentes da possibilidade de anularem sua solidão vivendo bem com as outras pessoas sem destruírem suas personalidades ou individualidades – que é a única possibilidade de redenção da solidão e do uso positivo da liberdade.

Eu me recuso completamente a acreditar que alguém possa ser ruim por natureza, especialmente para que um dia eu não queira destruir a mim mesmo qualquer dia desses. Não se trata de aceitar a violência ou de chamar quem é perverso de bonzinho, sendo advogado do diabo mas ter seriedade na hora de se aproximar do outro para compreendê-lo e perceber que assim como eu qualquer pessoa nasce sem livre e as leis ou regras morais são posteriores. Se uma pessoa prefere cuidar de si e dos outros ou prefere apertar o botão da bomba atômica isso coloca jogo muitos fatores da vida e da sociedade. Não tem nada a ver com índole ou natureza má. – Pelo Amor de Deus é preciso ter cuidado com o que pensamos e vivemos.


Tulio Miranda


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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

! Vamo tirar Jesus da cruz !




Antes de assistir a este vídeo acima eu já conhecia esta versão da música, composta por Pedro Luis e parceiros, através do álbum que Ney e Pedro gravaram, cujo vídeo acima é parte do Making Of . E sempre achei fantástica tanto a interpretação como a letra desta canção, e a letra em especial me leva a pensar sobre algumas coisas que percebo nos ambientes e tradições cristãos de meu país.

Essa música traz para o debate um tema que eu poderia referenciar com uma passagem bíblica "Não farás para ti imagem do Senhor, teu Deus". No momento desta passagem, Deus passa para Moisés a ordem para que seu povo não faça nenhuma pintura, escultura de qualquer coisa que habite abaixo da terra, sobre o céu ou debaixo das águas (Êxodo 4; 4).


É um momento forte da história da bíblia em que Deus fala diretamente na literatura. Esta passagem se tornou um dos argumentos para por em pé de guerra Cristãos Católicos ou Ortodoxos, que possuem imagens, contra Protestantes ou Muçulmanos, que não fazem imagens físicas de Deus.


Acho que meu objetivo aqui não é fazer um apologia das imagens de santos ou um ataque a tal prática. Quero sintonizar-me com a temática da música. Porque mesmo que não façamos imagem física de Deus ou outra entidade possível, um problema se coloca pra nós pelo fato de experimentarmos a realidade em grande parte pela visão, pelas imagens. E hoje, nos tempos modernos, a cultura tornou-se essencialmente uma cultura da imagem, imagem física, idealizada ou não.


A linguagem e a imagem em nossas vidas tem uma intimidade desafiadora para os estudiosos de hoje , mas que se revela uma chave para a compreensão da vida humana em sociedade. E é contra um tipo de linguagem utilizada para representar Jesus que está falando a música acima. Um tipo de linguagem que se revela no sentimento de culpa se propagando através da construção de uma "cultura da culpa", como fala Pedro Luis ao final do vídeo. - Não acredito que a linguagem seja toda a responsável por tal arranjo cultural, mas é uma trilha para observarmos o que mais há na formação deste modo de viver que é cultivado a tantos séculos.


Para algumas pessoas mais curiosas é um bocado estranho que Jesus seja repetidamente representado morto na cruz, ao passo, que somos levados a perceber que Deus é grandioso. Que segundo Paulo, a fé da cristandade seria vã se Jesus não tivesse ressuscitado. Estas pessoas se perguntam se não seria mais significativo, e coerente, representar Jesus em toda sua glória e beleza de amor, ressuscitado.


Acredito que aos poucos esta tradição está perdendo sua força por ação de grupos, como a renovação carismática na Igreja Católica, e outros que incentivam uma nova experiência das pessoas com Deus que tem reflexo nas novas representações de Jesus.


Falar se é correto ou não fazer imagens de Cristo ou de Deus ainda é muito delicado por estar ligado tradições muito antigas de grupos religiosos específicos. Assim, tornou-se inevitável para nossos antepassados tal prática que remonta hábitos pré-históricos da fusão da arte e da religião que se manifestam como expressões do íntimo da criatura humana.


Talvez por minha tradição cristã católica eu não veja maior problema em representar Jesus, Deus ou os santos. Os cristão católicos são constantemente criticados como pecadores e politeístas por algumas alas do protestantismo. Mas acho que até os protestantes, de uma forma ou de outra, materializada ou não, fazem suas imagens de Jesus ou de Deus. Já é possível ver filmes, teatros, desenhos animados das histórias da Bíblia e da vida de Jesus que foram feitos por equipes de profissionais e iniciativas protestantes; o teatro e o cinema são artes visuais, imagéticas. Acredito que até para os protestantes é inevitável ter para si imagens físicas de Cristo.

Passando a refletir mais diretamente o problema da criação das imagem de Jesus, ou de Deus, é preciso notar que a criação da imagem está anterior à sua materialização. Ou seja, se Cristo está morto nas esculturas ou pinturas, é porque insistimos em imaginá-lo assim. E mais, insistimos que essa imagem é mais significativa para o aprofundamento da re-ligação das pessoas com Jesus, que definiria a religião cristã em sua mais primitiva definição. E agora é preciso questionar porque nossas imagens "interiores" são a  de Jesus morto.

Nas comunidades católicas do Brasil, na sexta-feira da Semana Santa, é comum a prática da procissão do Senhor Morto que simboliza o momento em que Jesus é levado para o Calvário onde seria sepultado. Nesse ritual usa-se uma grande estátua de Jesus Cristo representado morto que é carregada em um andor pelas ruas ao passo que os fiéis são chamados a pedir perdão de seus pecados que levaram Jesus a deixar-se morrer para limpar-nos de tais impurezas. O clima é de luto, naturalmente. E na comunidade que faço parte também é costume segundo a concepção do padre que a dirige. Um dos padre que dirigiu minha comunidade, e que se tornou grande amigo meu, evitou esta prática e comentou para mim que uma vez uma senhora queria saber porque não fazíamos mais a cerimônia do Senhor Morto, a resposta foi simples, "porque Cristo vive, irmã". - A partir deste exemplo penso que, se pode haver algum problema com relação às imagens cristãs, esse problema está na forma como Deus se representa psicologicamente para as pessoas.


A imagem do Cristo morto não é a única imagem que acredito sofrer certas deturpações. Existe a imagem de Deus como um tirano, pronto para punir e ceifar a alma do pecado; a imagem do Deus que submete a mulher ao homem retirando-lhe a liberdade que Deus deu também a ela na criação, como se a punisse eternamente pelo pecado no Éden.Ou a imagem de que Deus é apenas aquela pessoa a quem você recorre porque está no fundo do poço, querendo casa, casamento, sucesso e tantas outras coisas que parecem impossíveis e que alguns promete que Deus vai te dar tudo como se Ele fosse o Papai Noel  Ou a deturpação da imagem de "Javé, o senhor dos exércitos", que move a guerra e o fanatismo contra os infiéis e pecadores; a imagem de Deus Rei também sofre deturpação, levando as pessoas a esquecerem que Deus, mesmo sendo Rei, se faz amigo de seus servos, servido-lhes e convidando-lhes a sentar ao Seu lado, esquecemos que Deus é também fonte da humildade. Às vezes Deus é como uma mãe excessivamente protetora que a toda hora acolhe e alimenta seus filhos, sem fazer com que eles enfrentem a realidade ou percebam a importância de seguir uma regra moral, especialmente se colocando contra a iniqüidade do mundo. Ou a imagem do Deus inerte que permite todas as injustiças acontecerem, sendo injusto por não socorrer ou mesmo permitir que tais calamidades aconteçam com pessoas justas.


O poder está sempre ligado à imagem da divindade e tem sido o elemento que mais leva à deturpação da imagem de Deus, ainda que Ele seja todo poderoso, é preciso perceber que todo seu poder se revela pelo Amor de um Deus humilde, que faz isso por escolha própria e não por uma limitação de seu poder ou liberdade.


Juntamente com a citação do Êxodo eu lembro da citação de Paulo "Agora vemos como em espelho e de maneira confusa; mas depois veremos face a face" (1 Cor 13: 12) - (os espelhos na época de Paulo não eram de vidro, eram de metal polido e refletiam as imagens embaçadas). Outra citação é de João, no Evangelho, em que Cristo diz, "... conhecerão a verdade e a verdade libertará vocês." (João 8:32).


Quando reflito sobre a ordem de Deus para não fazermos para nós mesmo as imagens Dele acho que devemos ter a atenção para deixar que Deus revele sua própria imagem para nós. Como falei, acho inevitável o fato de imaginarmos Deus ou Cristo, ou as histórias da Bíblia. A linguagem de nossa cultura está também presente na Bíblia e nos leva a conceber as imagens a todo momento, não é um problema bíblico, nem da linguagem. - Se há um problema, ele está na maturidade religiosa daquele que imagina, de como essas imagens são organizadas no íntimo do fiel a partir da linguagem e da cultura em que estão inseridos. É para isso que devemos estar atentos.


Voltando à música do começo do texto, acho maravilhoso como os artistas sugerem a beleza de Cristo que não está morto e sim vivo, dono da Fazenda Celeste. E nos convida a tirar Jesus da Cruz para que Ele nos traga muito mais graças para nossas vidas. Embora a imagem de Jesus morto na cruz simbolize sua doação por amor, devemos ter o cuidado para perceber que sua missão não acabou ali, ele ressuscitou e plenificou a mensagem de Amor, provou que aqueles que vivem por amor não terão a morte como fim, pois amor está acima da morte.


A simbologia da cruz é redirecionada por Cristo quando fala da importância de abraçar a cruz, com a intenção de nos chamar à responsabilidade, ao trabalho duro, a não fugir da dor que os desafios contra a iniquidade trará. Abraçá-la para crucificar o nosso egoísmo e permitir que o amor viva em nossos corações. Abraçar a cruz é também entender maduramente o seu significado na vida, de que aquele que busca amar e se faz consciente de que não poderá evitar todas as dores do mundo, especialmente quando lutar contra injustiça dos que tem muito poder ou quando chorar com os que já sofrem.


Outra imagem que me vem à mente é a do menino Jesus que reúne os mais sábios e pastores à sua volta. A beleza de Deus se revela para os humildes e sinceros que O buscam, ao passo que se esconde de pessoas como Herodes, pessoas cegas pelo poder que lançam mão de toda iniquidade dispostos a matar Deus, se for preciso.

Os Sábios Reis Magos são figuras exemplares, mesmo sendo grandes conhecedores cruzam o Oriente para conhecer aquilo que suas mentes não lhes podem revelar, a imagem do Deus vivo. Eles permitem que Jesus os guie até Sua presença através dos sinais, das imagens, dos sonhos. Ao passo que Herodes e seus "sábios" se confundem em tudo pois o poder vale mais para eles. É preciso ter a consciência de deixar que Deus se revele para nós, tendo a maturidade de não nos apressarmos em achar que já sabemos tudo sobre Ele.


Tirar Jesus da cruz significa também abandonar um sentimento de culpa que se propaga pela nossa cultura, ou mesmo, abandonar a crença de que o homem é naturalmente ruim e por isso precisa ser lembrado o tempo todo de que nossos ancestrais mataram com seus pecados o seu próprio Deus. A deturpação da imagem do Cristo na cruz também está ligada à uma cultura do controle pelo medo, levando à resignação e à submissão das próprias vontade e liberdade. Ou ainda representa o fato de que o amor no coração de algumas pessoas está tão frio que Jesus segue morto na cruz dentro delas, que tal sacrifício não bastou para avivar-lhes a fé e a sensibilidade.


 - Enquanto Jesus não for tirado da cruz que há em nossos corações não poderemos provar as deliciosas cocadas de céu e de luz. -

      Agradecimentos a Kézia

Por Túlio Miranda. ( Se gostou, INDIQUE =D )